No primeiro filme da trilogia de Matrix, o protagonista Neo dá início a um duro percurso que o levará, num determinado momento, a compreender a realidade das coisas, descobrindo que até aquele momento vivia em um mundo de ilusões e falsidades que o tornavam cego e prisioneiro. Na cena na qual pela primeira vez abre os olhos e vê o mundo real, estendido numa maca e com os amigos ao seu lado, diz: “não consigo ver nada”, e Morfeu lhe responde, sorrindo: “é porque você nunca abriu seus olhos”.
O evangelho de hoje, de João 6,24-35, relata o que aconteceu logo depois do grande milagre da multiplicação dos pães para milhares de pessoas. Todos o buscam, mas Jesus, de maneira surpreendente, joga um balde de água fria na sua busca.
Soa estranho esse comportamento de Jesus, mas podemos encontrar o motivo no que ele em seguida diz à multidão: o povo não conseguiu ver o que realmente estava por trás do seu gesto e o procura apenas porque encontrou uma maneira extraordinariamente fácil de comer.
Jesus diz: “Vós me buscais não porque vistes sinais, mas porque comestes”. A multidão está cega e não consegue ver o real significado do gesto de Jesus, que é um sinal de algo bem maior do que uma simples refeição distribuída gratuitamente.
Pode-se, portanto, buscar a Deus, invocar Jesus, Maria e os santos, mas errar o caminho e não dar um passo adiante no caminho da fé.
Como Neo, na primeira parte de Matrix, também nós ficamos cegos e na ilusão de que compreendemos a nossa realidade e a realidade de Deus. Não conseguimos compreender o evangelho porque não nos esforçamos por cumprir o percurso que nos abre os olhos para compreender como devemos viver a nossa fé e os ensinamentos de Jesus.
A primeira pergunta que fica, com calma e sem pressa de dar uma resposta, é esta: por que procuramos Deus? O que queremos de Jesus quando o invocamos e rezamos? Um milagre particular? As soluções de alguns pequenos ou grandes problemas pessoais? Se neste domingo vamos à missa, porque saímos de casa e cruzamos a porta da Igreja para participar da função religiosa?
É bom fazer estas perguntas. E como resposta escutamos o que Jesus diz aos seus conterrâneos e que o evangelista João lembra para a sua comunidade: “Eu vos darei não um alimento que acaba, mas um alimento que permanece para a vida eterna”.
Coloquemo-nos numa busca por aquilo que realmente dura e que sacia de verdade a fome do espírito. Aceitemos as dificuldades do caminho da fé mesmo quando nos leva a fazer escolhas difíceis e a realizar profundas mudanças de mentalidade.
Aceitemos nos tornar discípulos de Cristo que nos ensina o justo caminho para ver com olhos novos e para não pararmos na superfície das coisas, nem na superfície da vida religiosa, geralmente feita de muitos gestos exteriores, mas de pouca profundidade e verdade.
Num determinando momento, pedem a Jesus: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!”. E Jesus, a este pedido, responde com uma proposta de relação profunda e contínua: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim não terá mais sede!”.
Temos necessidade dessa relação profunda com Jesus, que é mestre de vida e alimento do espírito.
E estando com ele nós perceberemos que o pão material e todas as outras coisas materiais que temos, mais ou menos necessárias, são no fim secundárias em relação ao evangelho.
Às vezes, quando uma página do evangelho ilumina os olhos do coração e parece que compreendemos com a profundidade do espírito, acontece algo parecido com uma ideia de deslumbramento e de paz. Este é o sinal de que os olhos do espírito são pouco usados e também é verdade que podemos usá-los para encontrar Deus.

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