Hoje, quinta-feira Santa, antes de entrarmos no
grande silêncio da noite de adoração, celebraremos a ceia, a grande Ceia do
Senhor, aquela para a qual toda a humanidade é convidada.
Eu penso como seria para nós se soubéssemos que
a refeição que iriamos fazer seria a nossa derradeira, como prepararíamos esta
mesa, quais amigos convidaríamos para estar ao nosso lado e mais, até onde
seríamos capazes de nos manter serenos e confiantes.
A celebração da quinta-feira santa é a última
ceia de Jesus, e Ele diferente de qualquer outro, já sabia pelo que iria
passar. Assim, sabendo de tudo o que estava para acontecer, tratou de reunir os
amigos e lhes apresentar seu “testamento”; é neste cenáculo que Ele parte e
partilha o pão, partir e partilhar são gestos de cuidado, hospitalidade e
carinho, assim o faz o pai de família que alimenta os filhos, o amigo que
recebe o visitante e também aquele que divide com quem necessita; porém o gesto
de Jesus nesta ceia adquire uma profundidade inteiramente nova: Ele dá-Se a Si
mesmo, é o próprio Amor de Deus que se manifesta na distribuição, assim este
ato concreto torna-se o símbolo de todo o mistério da Eucaristia e se perpetua
no tempo.
Este dar-Se a Si mesmo, o entregar-Se de Jesus
e sua ordem ao final da ceia: “Este cálice é a nova aliança em meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes fazei isto em minha memória” (1Cor 11, 25b);
evidenciam que aquilo que a Igreja celebra na missa não é a última ceia, mas
sim o que o Senhor, durante a Última Ceia, instituiu e confiou à Igreja;
celebramos o memorial da sua morte sacrifical, pois, sabemos da sua
ressurreição. Jesus dá aos discípulos o seu corpo e o seu sangue como dom da
ressurreição.
Momentos fundamentais de Jesus, que mudam a
história da humanidade, são vividos naquela mesma sala antes da Ceia; primeiro
Jesus assume a condição de servo, de escravo: “levantou-se da mesa, tirou o
manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e
começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha que estava
cingido.” (Jo 13, 4-5); este é o sentido salvífico do seu serviço, Ele
despoja-Se do seu esplendor divino, ajoelha-se diante de nós, lava e enxuga
nossos pés sujos, para que possamos participar do grande banquete do Senhor.
Outro momento fundamental daquela quinta-feira
reside nos discursos de despedida, que atingem o seu clímax na oração
sacerdotal, Jesus fala da sua saída do Pai e de seu regresso a Ele. O sair é a
descida até nós, não como declínio ou queda, mas como aproximação para nos
trazer o verdadeiramente divino, Jesus desce a nós por causa do Amor
incondicional de Deus pelos homens. E seu regresso para o Pai se faz com uma
novidade - Jesus agora, não regressa sozinho, Ele não abandona sua humanidade. Em
sua descida Ele assumiu a condição humana, viveu entre nós e nos amou até o
fim; no seu retorno ao Pai nos atrai a Ele (Jo 12,32), deixando o caminho
aberto para que todos nós passemos também um dia à vida gloriosa.
Porém, pouco adianta todo o comprometimento de
Jesus para conosco, esse Amor Ágape de Deus que entrega-Se na cruz por
intermédio de seu Filho amado, se não formos hoje capazes de viver nossas vidas
conforme o testamento de Jesus na Ceia da quinta-feira Santa. O mundo atual
vive sufocado pelo relativismo, pelo monetarismo e pelo interesse, somos uma
sociedade de troca e barganha; produtos e serviços são avaliados e trocados o
tempo todo, muitas vezes barganhamos também sentimentos, corpos e
relacionamentos. Um estudioso moderno certa vez declarou: “o amor é um fenômeno
marginal na sociedade contemporânea”.
Se a Igreja hoje passa por tribulações, este é
o momento de olharmos para a quinta-feira santa de Jesus, assumir nosso papel
de cristãos (seguidores de Cristo) e como Ele viver o Amor de modo proativo e
criativo, nos entregando ao serviço com a mesma humildade daquele que tudo
podia, mas amarrou uma toalha na cintura e ajoelhou-se para lavar nossos pés.
Que a quinta-feira Santa, o dia da instituição
do sacerdócio ordenado e do sacramento da caridade, seja o dia para contemplarmos
e refletirmos sobre o inesgotável amor de Deus; e olhando o Deus que se abaixa
para lavar nossos pés de modo a nos tornar limpos, o Deus que se entrega para
nos alimentar a fim de que nele estejamos unidos e nos tornemos um só no Pai, enxerguemos
Deus em cada um de nossos irmãos, que a Eucaristia se torne o ápice de nossa
vida cristã, ecoando por todos os nossos dias e se renovando com generosidade
sempre.
Carlos Rissato
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