A leitura patrística do Ofício de Leitura de hoje reproduz uma homilia
do século IV e inicia assim: “Um grande
silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo;
a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e
acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão
dos mortos”.
Após sepultarmos Jesus, a Igreja toda permanece em oração e silêncio
profundo, é um dia de ausência e abandono, dia em que o Cristo nos deixa e
desce à mansão dos mortos para definitivamente vencer a morte e resgatar os que
lá estão. Deus, que morreu na carne, agora mergulha nas profundezas, vai ao
Hades, armado com sua cruz vitoriosa a fim de libertar os cativos para a vida
gloriosa.
Fácil é para nós hoje pensar neste dia apenas como um dia de reflexão e
silêncio, aguardar o canto do Glória na Vigília e dizer que Ele ressuscitou, até
porque tudo já aconteceu; mas qual seria nosso comportamento, até onde iria
nossa certeza se estivéssemos vivendo naqueles dias.
Qual não é a decepção que nos acomete quando alguém intimamente ligado a
nós deixa de cumprir as nossas expectativas; mesmo sendo expectativas criadas
ou fantasiadas por nós mesmos, ainda assim nos decepcionamos, nos incomodamos. Raras
não são as vezes, em que diante destas situações nos dizemos traídos e lançamos
sobre o outro a culpa por não nos satisfazer.
Esse talvez tenha sido o sentimento da maioria naquele sábado do
silêncio.
O povo oprimido, na sua ingenuidade e ignorância, esperava um guerreiro
vigoroso, um lutador impiedoso, que viria para acabar com os que lhes fazia
sofrer, que viria destruir quem os matava; porém, quem veio foi o próprio Deus,
que sem as tradicionais batalhas e sem derramamento de sangue (a não ser o seu
próprio), acabou com o sofrimento humano e destruiu a morte... Mas como
acreditar, se só o que vimos até agora foi Ele morrendo na cruz?
A morte de Jesus na sexta-feira leva a humanidade ao recolhimento e à
oração silenciosa durante todo o sábado, mas não pode nos levar à acomodação. O
Sábado Santo não é vazio, ao contrário,
é o dia da edificação da grande ponte que o Cristo constrói entre sua morte
carnal de ontem e a ressurreição gloriosa de amanhã.
E nós hoje? Como ficamos? O que fazer enquanto aguardamos?
A opção é pessoal, podemos virar as costas à cruz ou podemos acompanhar
Cristo ao nosso sepulcro interior e deixar que Ele construa a “grande ponte”, a
ponte que nos transforma, salva e liberta.
Pensemos nisso e vamos com Cristo construir a “grande ponte” que nos
conduz ao Pai.
Carlos Rissato
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